sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Quando o Natal não for um dia

Folheando as páginas do jornal O POVO ,como sempre faço todas as manhãs que posso fazer isso, deparei com um texto bom escrito na seção de opinião, não sei se se trata de um escritor de profissão mas ele está bem escrito. Reproduzo a seguir:

Quando o Natal não for um dia



Via-se que era um homem rico. Pelos trajes, pela postura, pela maneira como olhava tudo ao redor. A impressão que transmitia era justamente essa: tudo posso, sou senhor e sou dono. Eu olhava de longe, como simples observador. Era difícil enxergar com profundidade, naquele ambiente de compras apressadas, de barulho ensurdecedor. Prefiro a quietude, mas não posso fugir do burburinho, em algumas situações especiais.


A criança, rompendo as normas de segurança, penetrou naquele lugar, sem portar no rosto e nos trajes a senha exigida: “sou um consumidor em potencial”. O homem rico baixou os olhos e viu a criança pobre. Havia tristeza no olhar do menino. Tirou da carteira uma nota de 50 reais e disse ao garoto: “Tome, compre um presente de Natal.”


O pirralho apanhou a nota, um sorriso de satisfação estampou-se em seu semblante. Saiu correndo com a nota bonita por entre os dedos pequeninos. Observei o rosto daquele homem que olhava para tudo como senhor e dono. Pude captar seu pensamento: “Que coisa maravilhosa! Sinto-me feliz. Esse sorriso de criança deu-me mais satisfação, mais contentamento do que as festas a que vou, do que os empregados que me servem, do que os automóveis de que me sirvo, do que os amigos que me bajulam.”


Dialoguei em silêncio com o homem rico: “Sim, meu caro. Os homens fogem da felicidade. O mundo é triste porque o Natal é apenas um dia. Quando toda noite for semelhante à noite em que Jesus nasceu, quando toda manhã for manhã de Natal, nossa vida mudará. Ah se fôssemos uma corrente contínua de amor, se não fôssemos egoístas, avaros, competidores, fera junto ao irmão, construiríamos um mundo novo. Se praticássemos a caridade, como o apóstolo Paulo a descreveu numa epístola imortal, que bom seria viver neste mundo, então transformado em morada fraterna.


A caridade é a ajuda que ninguém testemunha, é a palavra de carinho, o conselho amigo, o sorriso e o aceno, a disponibilidade completa, a humildade contínua. A caridade é a luta pela transformação das estruturas sociais, é o combate permanente para construir a Justiça e a Paz. A caridade é a pugna incessante contra todas as formas de opressão, marginalização e discriminação, pugna que muitas vezes cobra, como preço, a própria vida dos lutadores, mártires da edificação de uma outra sociedade.


Quando o Natal não for apenas um dia, até o Dia de Natal será diferente. Ninguém estará fora da celebração, não haverá muros, não haverá divisões.

João Baptista Herkenhoff - Magistrado aposentado, professor e pesquisador universitário

Pubicado no jornal O POVO edição 27.607 de 24 de Novembro de 2010.

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