sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Airton Monte - O Observador

Airton Monte - O Observador - 16 Fev


A tarde parece que anda meio gripada, soltando pequenos espirros, com a coriza intermitente de rápidos chuviscos. A tarde está fria, porém meu coração está quente feito um pão recém-saído do forno. Meu cachorro não para de correr arrodeando todo o espaço do quintal como quem procura alguma coisa indefinida, que somente ele sabe. Talvez também esteja sentindo falta do velho gato gordo que caçava pombos invisíveis pelos beirais dos telhados vizinhos da casa onde morávamos. Os animais possuem lá a sua memória, embora muita gente não acredite. Há passarinhos destemidos, que ignoram o medo e o perigo, tranquilamente pousados nos fios esticados por entre os postes. No sobrado em frente, um pai, que deve ser de primeira viagem, brinca com o filho entre os braços, falando aquela linguagem tatibitati que os adultos pensam que as crianças falam e entendem.

Três horas da tarde em ponto. Ainda é cedo e está longe de escurecer. O dia transcorre escorrendo rotina. Abro o jornal e leio uma notícia estarrecedora. Dois adolescentes assaltaram um ônibus, atiraram em outro jovem e se deixaram olhando a vítima agonizar durante quase trinta minutos. Marcas da maldade humana que se tornam cada vez mais habituais em nossa cidade como a crueldade e a violência. Meu Deus, a que ponto chegamos? Que País é esse onde jovens mal saídos da infância matam outros jovens friamente, não demonstrando sequer um pingo de sentimento? Esses jovens assassinos, se ninguém percebe, são os mesmos que, enquanto crianças, nos pedem moedinhas nas paradas dos sinais de trânsito e nos fitam com olhos de sobreviventes de guerra, de uma guerra urbana que não tem mais fim.


Ao mesmo tempo, em outras páginas, o jornal estampa fotografias de jovens estudantes de bons colégios, que saíram vencedores nos vestibulares mais difíceis desta nação. Estes sonham com um futuro pleno de realizações. Os jovens que matam não sonham com o futuro porque não acreditam mais nele e preferem ganhar o tempo presente de arma na mão e cheirando a pedra maldita que os faz esquecer o seu destino já traçado desde que nasceram. Sabem que a vida vai lhes ser breve e que um dia a bruxa lhes pega dentro da cadeia ou numa viela da periferia, mesmo sendo o rei do pedaço. Para mim, o mais nefando crime que se pode cometer contra uma criança é roubar-lhe a infância. Os jovens vencedores tiveram uma infância. Os jovens matadores, não. Já nasceram quase adultos.


Que ninguém venha pensar que estou defendendo os jovens criminosos, botando toda a culpa no cartório do social, porque se nascer em berço de ouro imunizasse contra tendências delinquentes, rico não roubava e faria parte de uma legião de anjinhos de asinhas brancas, tocando suas harpas, aureolados de santa honestidade. E filhinhos de papai não se divertiriam ateando fogo em moradores de rua. Se me perguntarem se sou a favor do endurecimento do código penal, respondo que sou, inclusive da prisão perpétua. Se sou a favor de acabar com a impunidade dos “de menor”, também respondo que sou. Para mim, bandido é bandido, tenha 13 ou 70 anos. De tudo isso, dessa guerra urbana que grassa e viceja sem freios no Brasil, só tenho uma certeza: nós todos somos, sem nenhuma exceção, vítimas e cúmplices como esta tarde que escurece mais cedo é cúmplice do temporal que pode desabar mais tarde.

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