segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Airton Monte Os Extremas

Airton Monte - Publicada em 11 de Fevereiro de 2011

Airton Monte - Os extremas

No começo, bem no comecinho da história do futebol no Brasil, na época longínqua em que o introdutor do glorioso esporte bretão em nosso país, Charles Miller, trouxe a primeira bola da Inglaterra, os extremas eram chamados de “wingers” e Garrincha ainda não havia nascido, nem Julinho, nem Canhoteiro, nem Pepe, nem Sir Stanley Mathews, verdadeiras lendas vivas dessa posição ora em extinção na prática do ludopédio em todos os cantos do mundo. Ao depois, quando me entendi por gente, lá pelos quatro aninhos de idade, ao aprender a ler praticamente sozinho nas páginas dos jornais, a história já havia mudado. Nesse tempo, os caras que jogavam pelas bordas do gramado ou eram laterais ou eram pontas, ponteiros. Os laterais defendiam, os pontas atacavam como livres atiradores.



Não importava a maneira como eram chamados. Quer fossem wingers, pontas, ponteiros, extremas, o que essencialmente os caracterizava como tais, a sua razão de existir era o drible, a ginga, o balanceio do corpo, armas fatais com as quais iludiam, ludibriavam os seus implacáveis marcadores, ultrapassando-os e rumando, céleres bailarinos, em direção à linha de fundo e de lá cruzavam a pelota, alçando a bola, como um poético míssil, com uma precisão cirúrgica, na cabeça ou nos pés dos artilheiros. Em minha cabeça, as memórias do que vi tantas vezes das arquibancadas dos estádios, me ajuda a imaginar a cena lúdica, artística:Garrincha, com a esfera entre os pés, encara, imóvel, o seu feroz adversário, o Maracanã inteiro guardando o mais completo silêncio. Súbito, uma pausa, o rápido movimento, o drible, o cruzamento e Quarentinha, dentro da grande área, fuzila o goleiro e gol.



Os extremas, os pontas sempre foram ou deveriam ser o símbolo maior da existência do inesperado no futebol. Cabe a eles a criação da poesia presente nos campos sob a forma sutil de um drible capaz de arrancar os risos e a admiração da platéia, porque todo ponteiro possui um quê de Carlitos, seja num jogo de copa do mundo ou numa pelada de várzea. Tanto faz, como tanto fez, se é ponta direita ou ponta esquerda, os extremas devem ter, obrigatoriamente, o talento e a indispensável capacidade de improviso de um músico de jazz ou de um chorinho brasileiro, com indubitável certeza. Os extremas devem ser imprevisíveis, pois guardam em si a essência maravilhosa do surpreendente. Nunca se sabe o que a sua imaginação vai inventar na hora de driblar. A ginga do jogo, o vai-não-vai e quando o defensor se dá conta, o extrema já se foi, lépido e fagueiro, agitar a zona do agrião.



Posso estar completamente equivocado, porém, discordo em gênero, número e grau da esmagadora maioria dos que amam o balípodo, sejam torcedores ou profissionais da crônica futebolística, que proclamam, aos quatro ventos, ser o gol o orgasmo do futebol. Todos eles podem estar cobertos da mais plena razão e quem sou eu para dizer que todos estão errados na sua abalizada opinião? Entanto, na minha modesta visão de frequentador de mais de cinquenta anos de arquibancada, o lídimo, claro e verdadeiro orgasmo do futebol é, em verdade, sua majestade, o drible, além de considerá-lo uma verdadeira arte. Se há um jeitinho brasileiro, despido do menor resquício de desonestidade, esse é o drible e o drible é o que define os extremas. Eu vi Garrincha driblar e descobri, entre espanto e maravilha, que naquelas pernas tortas residia o mágico segredo do futebol de todos os extremas, assim na terra como no céu.


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