terça-feira, 1 de março de 2011

Airton Monte - Mal traçadas linhas - 24 Fev 11

Mais uma crônica de Airton Monte datada do dia 24 de Fevereiro de 2011, chama-se "Mal traçadas Linhas"


Airton Monte - Mal traçadas linhas - 24 Fev 11


Tarde parada, quieta feito um cachorro dormindo. Sobre minha cabeça paira um céu que não é de brigadeiro, infelizmente. Até parece que tudo estancou ao meu redor e me deixou ilhado de silêncio e de ausência dos movimentos habituais do cotidiano. É como se eu estivesse completamente sozinho, sentado na arquibancada de um estádio vazio, na vã espera de um jogo que nunca começa. Folheio os jornais do dia. Estão cheios de notícias repetidas que me dão a ilusória impressão de que os matutinos de hoje se parecem por demais com os periódicos de ontem. Entanto, não me entendam mal, pois longe de mim a ideia de querer que o mundo inteiro pare para que eu possa descer na próxima estação como quem pegou o ônibus errado. Sou um passageiro habitual que mais ou menos sabe para onde vai, muito embora, algumas vezes, o destino final não seja o mais desejado, mas tenha que ser cumprido.


Passo por passo sigo o meu caminho porque sei que é justamente esse caminhar sem fim o tributo que me cobra a vida como um implacável credor. E tento ver beleza e poesia em tudo que me cerca. Nem sempre elas estão à mostra de modo explícito, claros raios de luz cortando a escuridão. Para percebê-las é preciso um pouco de paciência para procurá-las nos detalhes mais insossos e insignificantes do dia – a- dia. Nada de pressa nem de olhares de esguelha. A poesia e a beleza se ocultam, se escondem de nosso olhar bem debaixo do nosso nariz e, descuidados, não as vemos porque o cotidiano nos exige pressa, horários corridos e se paramos um pouco, quebrando a rotina, nos parece que estamos desperdiçando o tempo e tempo é dinheiro e de dinheiro todo mundo gosta, inclusive eu, ao contrário do que muitos pensam.


Sentado no alpendre(felizmente, há sempre um alpendre nas casas onde moro e nesta que habito agora) vejo uma pequena aranha refazendo a sua teia prateada, que a chuva quase destruiu, num cantinho do telhado. Repouso a caneta sobre a mesa de trabalho e me deixo a observar o trabalho incansável da diminuta tecelã. E logo me vem o pensamento de que somos iguais a essa aranha, fazendo e refazendo, fio por fio, a nossa vida. Há aqueles que desistem, há aqueles que persistem, insistem, jamais desistem desse infindável trabalho de Sísifo. Claro que em certas ocasiões, nos vem uma vontade quase irresistível de desistir de tudo, de deixar-se levar bovinamente pelas circunstâncias cantando aquele refrão do samba do Zeca Pagodinho: “deixa a vida me levar, vida leva eu”. É bem mais fácil esperar que as coisas boas caiam do céu feito o maná no deserto, por obra e graça dos deuses.


Infelizmente, na realidade, não é assim que a banda toca. Ah, se fosse, mas isso não acontece. Existem pedras no meio do caminho, atravancando a estrada. Então, é preciso escalá-las, arrodeá-las ou explodi-las com a dinamite da nossa vontade. As nuvens negras, o vento as traz e as leva, embora, algumas vezes, depois da tempestade, venha a ambulância. Ou como disse o poeta, se me não falha a memória: à dores imaginárias, prefiro as reais, doem muito menos, embora durem mais. A tarde pode estar escura, porém minha mente está límpida qual água de uma nascente ainda não tocada pela mão do homem. Bebo um gole de minha garapa de cerveja sem álcool(que castigo) e me recuso a pensar no futuro. Procuro apenas pensar no presente como quem escreve uma tola carta de amor ou um bilhete de despedida de quem vai ali e volta já. E realmente volta ao local de partida, sem desaparecer no meio do nada, na vã tentativa de fugir de si mesmo.



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