segunda-feira, 27 de junho de 2011

Airton Monte - Na espera - 5 Maio 2011

Airton Monte - Na espera - 5 Maio 2011


Minha filha viajou para São Paulo. Por lá vai passar quase uma semana, levada por imposições do seu trabalho. Sei que são poucos dias, mas mesmo assim, meu coração de pai se aperta no torno do meu peito. Por mais breve que seja, a ausência da primogênita deixa um incomensurável vazio dentro de mim e da casa, que somente será preenchido com a sua volta. Cheio de paternal preocupação, logo procuro tomar conhecimento, através das várias mídias, como anda a situação climática na megalópole paulistana. Se está tomada pelo frio, se está previsto o desabar de temporais tão comuns por aquelas longínquas bandas paulistas. Afinal, minha filha viajou gripada, levando, além da mala, uma preocupante bagagem de rouquidão, tosses e espirros. E para aumentar minha aflição, Bárbara também sofre de asma e está sujeita (Deus a livre e guarde) a receber uma indesejável visitinha da maldita chiadeira.

Como as mães são mais otimistas de que os pais, minha mulher não demonstra tanta inquietação quanto eu, que fico zanzando pela casa feito uma barata tonta. Permanece calma, um poço de tranquilidade comparada ao homem atazanado pela angústia em que me transformei. Quando digo que ser pai é muito mais difícil do que ser mãe, muita gente discorda veementemente da minha opinião. Mormente as maternais criaturas, é claro. E não poderia ser de outra maneira, óbvio. Impossível imaginar delas uma diferente reação. Todavia, para mim, os meus amados desdobramentos celulares são uma fonte perene, porém ambígua, de alegrias inenarráveis e de preocupações indescritíveis. E quem me vê assim falando, pode até pensar, erroneamente, que sou um desses pais cujo comportamento chega abeirar as raias da perfeição. Vã ilusão, mais tredo engano.

Devo confessar que minha função paternal, manifestamente, nunca foi um exemplo do qual eu possa me orgulhar sem restrições. E quando brigamos, por esse ou aquele motivo, no auge da altercação, meus filhos costumam me passar na cara as minhas deficiências paternais. E reconheço que eles estão, geralmente, cobertos da mais lídima razão. Não há como contestá-los, porque conheço meus defeitos de um modo razoável. Mal vi Pablo e Bárbara crescerem. Além da hipocrática profissão, em que os plantões hospitalares quase diários me faziam passar mais tempo fora do que dentro de casa, relevando-me à condição de hóspede, ainda havia a boemia, uma exigente amante, que me distanciava em demasia, tornando minha presença um acontecimento raro no sagrado recesso do lar. Até hoje, carrego estas culpas passadas e o remorso por elas produzido qual uma ferida d’alma que nunca cicatriza.

Saudades de minha filha. Meu coração está hirto, ouriçado de emoções retesadas feito a corda de um arco. Cadê o som de sua fala, o eco de sua risada, o soar dos seus passos arrastados parecidos com os de minha mãe? Cadê seu costumeiro e carinhoso beijo de boa noite? Cadê sua mão estendia me pedindo a bênção na hora de suas saídas? Cadê seus gestos apressados procurando um livro nas estantes? O aparelho de som está mudo e os discos de ópera jazem espalhados sobre a cama do quarto. Cadê você, minha menina? O telefone tocou poucas vezes durante esses dias e fico acordado até tarde da noite à espera de seu habitual telefonema. Sinto uma falta tão grande de você, inclusive de suas explosões de irritabilidade. Cadê você, minha menina? Espero a sua volta como quem espera o sol brilhar depois da chuva. Aguardo o seu regresso como quem aguarda, na beira do mar, um mapa do tesouro dentro de uma garrafa trazida pelas ondas.

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