segunda-feira, 27 de junho de 2011

Airton Monte - Palvras - 19 Maio 2011

Palavras são palavras, nada mais do que palavras. Por falta de coisa melhor, assim começo a crônica de hoje, apelando sem cerimônia para esse surrado jargão. Entanto, serão só isso mesmo as palavras que se diz ou que se escreve num pedaço de papel na esperança, amiúde vã, de que outros olhos que não os seus as leiam e delas se agradem. Talvez as recortem e guardem num canto de gaveta, num lugarzinho recôndito da memória. Bem, se eu pensasse desse modo, se eu acreditasse serem as palavras todas destituídas de um maior significado, nem me daria ao inútil trabalho de escrevê-las, gastando meu precioso tempo e o dos meus pacientes leitores, a quem, no final de tudo, são elas dirigidas. Minto. Descaradamente minto. Porque mesmo que não fosse lido, confesso que continuaria escrevendo como sempre o fiz. Pela simples razão de ser-me impossível deixar de escrever, de brincar com as palavras nem que fosse apenas para meu pessoal deleite e fruição.

Um escritor é um escritor não porque assim o deseje, mas porque não pode deixar de sê-lo. Não se trata de uma questão de opção, de uma escolha. É mais um impulso vital que está em você de uma maneira tão natural feito o instinto sexual e sem o qual a vida de quem escreve perderia a finalidade. Sou, cada vez mais, um homem feito de palavras. Elas fazem parte de minha humana essência. Estão incrustadas no meu corpo, na minha alma desde que era somente um projeto de gente dentro da barriga de minha mãe. Por onde estou e vou as palavras me perseguem dia e noite. Perante elas eu sou a caça e também o caçador. Um dia sem escrever uma linha sequer é um dia perdido, jogado fora e me vem um vazio desmesurado como se eu houvesse vivido vinte e quatro horas em vão. Sinto-me oco. As mãos pendem de cada lado do corpo feito apêndices sem utilidade, caso não tenha empunhado uma caneta, batucado nas teclas do computador. Palavras e sua dolorida ausência que me dói feito doença.

Sei que nem toda palavra escrita se transforma milagrosamente, obrigatoriamente em literatura. E daí? Para mim, basta-me escrevê-las, vê-las ganhar vida em papéis dispersos ou num cantinho de página de jornal. Exponho-me por inteiro em cada palavra que escrevo e, quando escrevo, risco a palavra medo do meu dicionário. Torno-me ousado, atrevido, abusado, cutuco onça parida com vara curta, politicamente incorreto, porém sinceramente verdadeiro. Tanto faz se escrevo por obrigação, por devoção, por diversão, por passatempo, por evasão, para examinar mais profundamente as variâncias da condição humana. O que importa é escrever. Seja lá o que for passível de escritura. Se escrevo palavras belas, ah que bom. Se forem sórdidas, sujas, capengas, fedidas, falta-me coragem para rejeitá-las, abandoná-las como quem abandona um filho indesejável num lixão. Todavia, nem tudo que escrevinho considero publicável por meras razões estéticas.

Nada de escrever tentando ser original. A originalidade absoluta não passa de uma abstração, uma impossibilidade no ofício de escrever. Inexiste inclusive na vida. Kafka costumava dizer que todos os escritores sempre escrevem as mesmas coisas. Eis uma lição aprendida, jamais esquecida. Em tudo que escrevo existe um resquício claro ou oculto da infância. Minhas palavras são um emaranhado das experiências da criança e do adulto. Eu não nasci hoje. Nem vivo somente no aqui e agora. Escrevo sobre o que conheço e o que desconheço. Cônscio, todavia, que escrever é uma eterna descoberta e uma feroz obsessão. Para a qual não há cura nem remédio. Há um certo fanatismo no escrever. Com uma diferença. As palavras exigem dedicação, nunca uma cega obediência. Sacralizar as palavras é desvirtuá-las. Eu as respeito e admiro. Longe de mim adorá-las, pondo-as num altar. As palavras não são puras, virtuosas, castas. São semelhantes aos sentimentos, às emoções e à realidade que expressam. As palavras são humanas.

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