terça-feira, 21 de junho de 2011

Airton Monte - Sempre aos Domingos - 7 Abril 2011

Pra mim uma das crônicas mais bem escritas por Airton Monte 


Airton Monte - Sempre aos Domingos - 7 Abril 2011





O domingo amanheceu esplendorosamente banhado de sol como há tempo eu não via nessa temporada de chuvas intermitentes que sobre nós desabam sem aviso prévio e nos surpreendem quando menos as esperamos e desejamos. Faz um solzão desses que parecem incendiar o dia e cegar os olhos de quem se atreve a erguer a vista para o céu mais demoradamente. As praias devem estar pululando de gente gastando o abençoado feriado dominical. As pessoas disputam um lugarzinho na areia e fazem a alegria dos barraqueiros, dos vendedores ambulantes. As mulheres se desvestem enfiadas em biquínis minúsculos onde não cabe espaço nem para a etiqueta. Louras, morenas, negras, mulheres de todas as cores que atraem o olhar cúpido dos homens e o de outras fêmeas, pois hoje ninguém sabe mais quem é quem em matéria de preferência sexual.


Um domingo radiantemente solar, como esse que reina em Fortaleza, costuma transformar-se num pequeno carnaval. Tudo é festa, alegria, a diversão se torna a ordem do dia. Os donos de restaurante não têm motivos pra se queixar da vida, pois até mesmo nos botecos pés – de- chinelo a distinta freguesia ocupa todos os lugares disponíveis. Hoje, muitos vão encher a caveira e as emergências dos hospitais ficarão lotadas devido aos acidentes provocados pelos ensandecidos do volante e os malucos que pilotam as indefectíveis motocicletas. Nos domingos naturalmente se instala o desvairado reinado de Baco e a irresponsabilidade domina a maioria das ações humanas. E os pecados dominicais, quer sejam veniais ou mortais, já se sabe que quem os paga é a implacável segunda – feira, porque a realidade não aceita promissórias nem dívidas atrasadas.

As crianças sentirão um gostinho de liberdade depois de haverem passado a semana inteira trancafiadas na escola ou entre as grades dos condomínios. Aos domingos, as amantes geralmente amarguram a solidão, pois não receberão a amorosa visita de seus amores clandestinos, que estarão, embora a contragosto, cumprindo os obrigatórios deveres conjugais na companhia das amantíssimas esposas e dos filhos. As amantes ganharão, no máximo, um rápido telefonema de fingido carinho e as tradicionais desculpas de sempre a que já estão acostumadas enquanto ainda não possuem o domínio total da relação, que algumas conseguem e a maioria não. Semana que vem as pazes serão seladas do modo costumeiro e tudo continuará como dantes no Quartel de Abrantes da paixão. Ou não. Entanto, nesse dia cheio de suspiros o amor circula livre feito um vírus, parodiando Mário Quintana.

Ah, sim. Ia me esquecendo daqueles naturalmente dotados de pendores domésticos que preferem ficar em casa por escolha própria, aboletados diante da televisão, controle remoto nas mãos, mudando constantemente de canal como quem procura sabe-se lá o quê ou se dedicam a fazer pequenos consertos caseiros perfeitamente dispensáveis. Aos domingos, a vida parece correr mais mansa, mais pacífica. As preocupações cotidianas são varridas pra debaixo do tapete pelo menos por um dia, e por vezes o sujeito tem a ilusória impressão de que o sossego bateu à sua porta, embora saia pela janela mal chega a noite prenunciando a volta da rotina. De qualquer modo, o domingo iguala todos nós ao atiçar nossa sede insaciável de divertimento, contudo provisória. Talvez porque o sol procrastine o fim da tarde, crie ilusões à toa tal qual o vento brinca esculpindo nuvens.

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