sexta-feira, 8 de julho de 2011

Airton Monte - Amor Próprio - 7 Julho 2011

Airton Monte - Amor Próprio - 7 Julho 2011

A natureza hoje resolveu ser generosa feito mãe de filho único. O sol, na plenitude de seu magnífico brilhar, paira, reluzente e ofuscante, no cimo do céu azul de Fortaleza, banhando a cidade de intensa claridade, transparências, translucências e eu agradeço alegremente penhorado. Luz é tão bom para os meus olhos míopes, tornando o mundo mais claro, de uma limpidez sem sombras. De obscuridade já basta o claro-escuro em que vivemos mergulhados nesta Fortaleza eivada de contrastes, de vestes puídas, esmulambadas, roída continuamente pelos buracos, buracões e buraquinhos oriundos de obras que parecem intermináveis. O simples caminhar pelas calçadas, ao invés de um mero passeio, tornou-se ultimamente uma operação de risco. A qualquer momento, o indigitado transeunte, seja de noite ou de dia, arrisca-se a cair dentro de uma cratera ou dar uma topada e estatelar-se no chão, causando graves danos ao indefeso esqueleto, principalmente os de idade mais avançada, cujos ossos já não possuem a pétrea condição de antigamente, pois a osteoporose desconhece a piedade.

Por estes dias, o amigo Newton Freitas, meu contemporâneo das lides escolares do glorioso Colégio Cearense, teve a doce gentileza de enviar-me uma copiosa carga de cervejinhas desprovidas de álcool, com a qual certamente molharei a goela no próximo final de semana, saciando a minha boêmia sede, muito embora esteja de há muito sequioso de ingerir uma satisfatória porção do pão líquido daqueles de verdade, com uma boa dosagem do desejado álcool etílico, porém terminantemente proibido, para anestesiar só um tiquinho a dura realidade. Todavia, o que hei de fazer senão obedecer ao velho ditado de que quem não tem cão caça com gato. E assim, vamos levando o bonde rigorosamente em cima dos trilhos, conforme manda o hipocrático figurino e dançando de acordo com o que a banda toca. Nunca fui de respeitar ardorosamente regras e limites que me são impostos, mas, por vezes, não tenho saída senão obedecer aos médicos como um menino obediente e muito do bem educado, do contrário posso ir acabar no beleléu do andar de cima e, por enquanto, ainda me apraz viver no térreo, sem nenhuma pressa de pegar o elevador.

Para matar o tempo antes que ele me mate, leio, com uma atenção de coruja, um texto de Bernardo Soares, um dos vários heterônimos de Fernando Pessoa:”A alma humana é um abrigo escuro e viscoso, um poço que não se usa na superfície do mundo. Ninguém se amaria a si mesmo se deveras se conhecesse, e assim, não havendo vaidade, que é o sangue da vida espiritual, morreríamos na alma de anemia”. Sábias palavras que me levam a pensar o quanto de verdade existe nelas, pronta para ser utilizada por qualquer um de nós, mesmo por aqueles que preferem deixar os miolos se afogarem na preguiça. Sim, muitos há que se preocupam em demasia em exercitar somente o deletério invólucro do corpo e esquecem que os neurônios também necessitam de exercício. Afinal, de que nos adianta exibir a sólida musculatura de um Hércules, se o cérebro vai se atrofiando pouco a pouco? Havemos ou não havemos de fazermos jus ao pomposo título de bípedes pensantes? Bom não olvidar o fato de que nossa cabeça não foi feita apenas com a simplista finalidade de separar as orelhas.

Apesar de reconhecer que não sou um profundo conhecedor de mim mesmo, por incrível que pareça, eu me gosto, eu me amo, eu não consigo viver sem mim. Em alguns abismos de minha alma, os mais rasos e menos perigosos certamente, já me atrevi a mergulhar sem a proteção de um escafandro em ousadas experiências. Evidentemente, fiz algumas descobertas. De umas gostei, de outras não, porém encarei a aventura com a naturalidade que me foi possível. Chegar a regiões mais abissais do meu inconsciente ainda não tentei por medo de ensandecer de vez e perder definitivamente o narcísico amor a mim que ora cultivo com cuidados de um jardineiro profissional. Talvez por tomar essas precauções de mergulhador amadorístico, minha alma inda não padeça de uma anemia anímica e eu continue me amando tanto quanto me basta para prosseguir na difícil tarefa de amar os meus imperfeitos semelhantes. Se eu não me amasse do jeito que me amo, com todos os meus defeitos e qualidades, ser-me-ia de tal modo impossível amar os outros e findaria por me tornar um amaldiçoado refém da solidão para todo o sempre.




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