sexta-feira, 8 de julho de 2011

Airton Monte - O Elixir da Juventude - 5 Julho 2011


Existem poucas coisas nesse mundo, onde teimo e insisto em continuar vivendo, apesar dos pesares, dos dissabores que costumam me afligir em certas ocasiões, capazes de me provocar espanto digno desse nome. Claro que ainda não cheguei ao bovino estado de habituar-me com as perversidades, as barbaridades cometidas a todo instante por algumas criaturas pertencentes a nossa espécie de macacos, digamos assim, pensantes. Mesmo em meio à barbárie primitiva em que somos obrigados a levar nossa vidinha, não fui capaz de perder a minha perene capacidade de indignar-me quando me defronto com os mais inadmissíveis e inimagináveis frutos oriundos de nossa selvageria que ora e sempre acontecem cotidianamente da Conchichina ao Chuí. O ser humano não passa, é minha óbvia conclusão, de um perfeito animal selvagem, embrutecido que o ralo verniz da cultura e da civilização em tantos milhares de anos mostrou-se totalmente incapaz de esconder, ocultar, velar. A fera aprisionada dentro de nós pode libertar-se quando menos se espera.

Alguns podem até mantê-la sob controle aparentemente, mas a qualquer momento também podem sair por aí expondo suas garras e seus caninos, tomados de uma ferocidade incoercível, impulsionados pelos motivos mais tolos e mais torpes. Para mim, não há somente mocinhos e vilões entre nós, pois cheguei a triste conclusão de que todos somos cúmplices neste filme que protagonizamos na realidade do nosso belo quadro social. Entanto, venho me dando conta, ultimamente, de um fenômeno que realmente me deixa pra lá de estupefato e incapaz de explicá-lo sob a luz de uma teoria qualquer que a mim me satisfaça. Parece que todos os meus perclaros amigos conseguiram, não sei como nem onde, haver descoberto o mágico elixir da eterna juventude. Como nenhum deles tornou-se um vampiro, constato, consternado, que somente eu envelheço. Somente a mim o tempo acomete e aflige com as costumeiras mudanças anuais de idade. Somente eu faço aniversário a cada trezentos e sessenta e cinco dias que se passam no implacável caminhar dos calendários.

Não se trata de uma despeitada vontade minha de desejar cometer indesculpáveis injustiças contra gente de meu mais fraternal afeto, mas o César Montenegro não sai dos cinquenta e quatro há pelo menos uma década. O poeta Carlos Augusto Viana estacionou nos cinquenta e um e não abre mão de tão satisfatória e confortável faixa etária. O livreiro Sérgio Braga já comemorou os seus cinquenta e dois verões pelo menos uma dezena de vezes, e o Erle Rodrigues nem é bom falar. João Soares Neto faz absoluta questão de manter uma canina fidelidade às sessenta e seis primaveras, que jura comprovar em cartório e com firma reconhecida. José Teles, poeta e anestesista, botou o tempo pra dormir na imóvel estação dos sessenta e quatro. Quer dizer, todos descobriram um processo de envelhecer lentamente como se pertencessem à confraria dos nascidos em anos bissextos. Para eles, o calendário tornou-se apenas uma dispensável figura de retórica, desprovido da importância que lhe dá o resto dos pobres mortais comuns que nem eu.

Qualquer modo, sejam bem-vindos, irmãos meus, à tal da “boa” idade e que o dobrar do Cabo da Boa Esperança lhes seja menos pesado do que o foi para mim. Só lhes peço um favor: jamais envelheçam da alma. Jamais se transformem em um bando de velhotes ranzinzas, de mal com a vida. Sejamos joviais, sobretudo. E que a cada encontro nosso se restaure em nossos encanecidos corações a boa e sadia molecagem de sempre. Entanto, na nossa idade, é preciso tomar certos cuidados. Principalmente com o mau humor, a perda da alegria, da esperança, porque é disso que os velhos morrem. Vento encanado é um perigo. Senão lá se vem boca torta, reumatismo, pneumonia. Nada de bancar o pai dos netos, numa apropriação indébita do pátrio poder. Não deixar que as mulheres comandem nosso existir, nos forçando a ir ao médico, dormir cedo, seguir dietas. Portanto, chegou a hora de sermos rebeldes transgressores da ditadura conjugal. Sejamos, enfim, aqueles de quem se diz que envelhecem com dignidade, pompa e circunstância, permanecendo donos e senhores do próprio destino.

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