quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Airton Monte - Em feitio de oração - 13 de Setembro 2011

Crônica cheia de espiritualidade

De há muito, meus lábios não se abrem para fazer uma oração ajoelhado em um banco de igreja ou mesmo quando estou em casa, sozinho com minhas angústias e aflições. Faz tanto tempo que não converso com Deus a sós, pedindo ajuda, tirando minhas dúvidas que são muitas, ou mesmo para agradecer as pequenas e grandes graças que tenho recebido pela vida afora. Sim, há momentos em que meu ateísmo vacila, balança, balança como um prédio em meio a um terremoto, mas não cai. O Deus, no qual por vezes creio, é bastante diferente Daquele ou Daqueles em que as outras pessoas acreditam (ai de mim, que não perco essa tola mania de querer ser original). Do meu Deus não tenho um pingo de medo, mas um amoroso respeito e com todo respeito, Senhor, igual ao que eu sentia por meu pai. O meu Deus não me ameaça com castigos terríveis nem me tiraniza com ordens de cruento ditador. Sempre que converso com Ele, parece até que estou batendo um papo descontraído com um velho e querido amigo.

E quando conversamos, jamais Ele me fala em céu ou inferno, em graças e castigos, em fiéis ou infiéis, em hereges ou santos. Nosso assunto preferido é sempre a bondade que reside no fundo da alma de cada homem e que nos faz ser verdadeiramente humanos. O meu Deus, além disso, é dotado de um incomensurável senso de humor e dá divinas gargalhadas com o que se comenta a respeito Dele. Todos estão certos e todos estão errados, já que sou, por definição, o Indefinível. Ele me diz, piscando-me o olho e com um sorriso maroto no rosto. Às vezes, Ele assume a aparência de um velho, às vezes a de um garoto, numa espécie de brincadeira só permitida aos seres onipotentes e oniscientes. E aproveitando dessa intimidade que Ele me concede, fiz-lhe alguns poucos pedidos, na ansiosa espera de me serem concedidos e que tornarão a minha existência mais leve e mais aliviada das chatices do dia a dia e às quais todos nós estamos indefesamente sujeitos, seja lá quem formos ou deixamos de ser.

Livrai-nos, Senhor, dos que ferem a espontaneidade anárquica do botequim, filosofando a sério sobre mulher, futebol e vida alheia. Pois o botequim é espontaneidade, o imprevisível, o inusitado, o quando menos se espera é que acontece. Livrai-nos, Senhor, dos falsos amigos, esses Judas do afeto, fariseus do bem querer. Livrai-nos, Senhor, dos falsos pastores, cujo rebanho nada mais é do que a salvação da lavoura. Do pastor, é claro. A eles, os que enganam e traem a boa fé do semelhante, castigai-os com uma mulher estabanada, que fale mais do que o locutor do jóquei clube. Livrai-nos, Senhor, do imposto de renda, do bolso vazio, da firma reconhecida, dos credores inoportunos que tocam a campainha de madrugada, nos roubando o sono e o sossego. Livrai-nos, Senhor, da fila do banco, do cheque especial, da promissória vencida, do salário atrasado. Por via das dúvidas, Senhor, livrai-nos precipuamente das pragas de ex-mulher rancorosa, que são pior do praga de mãe e nos atormentam pela vida afora.

Dos maus poetas, livrai-nos, Senhor, urgentemente, que deles a poesia quer distância por uma questão de sobrevivência. Livrai-nos, Senhor, do sexo feito às pressas, num simulacro de paixão. Das pobres e tristes criaturas castas, que odeiam o próprio corpo e seus desejos e para quem Deus tornou-se sinônimo perfeito de mortificação e de martírio, livrai-nos, Senhor, para todo o sempre. Livrai-nos, Senhor, dos assassinos de árvores, que trucidam o verde cinturão de Fortaleza e a transformam num deserto de cimento armado por onde os hunos contemporâneos passeiam suas patas. Livrai-nos, Senhor, dos políticos safados, dos padres de passarela, dos juízes marreteiros, das baratas, das traças, dos cupins que infernizam aqueles que amam os livros. Das desilusões paternais livrai-nos, Senhor. Das mulheres que não sabem cozinhar, nem fazer cafuné e caldo de caridade, livrai-nos, Senhor. Livrai-nos, Senhor, de todos os relógios que nos escravizam ao tempo. E se não for pedir muito, Senhor, livrai-nos jamais dessa capacidade infinita de sonhar e que nos faz sublimemente acreditar na esperança.

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