terça-feira, 15 de novembro de 2011

Airton Monte - cena de bar - 3 de novembro 2011


Baseado em minha vasta e duradoura experiência de quarenta e tantos anos de profícuo exercício das atividades etílicas e boêmias, iniciadas mui precocemente, cheguei a uma decisiva conclusão, que mesmo hoje, afastado, penso que de modo definitivo, dos atraentes prazeres do copo, ainda a mantenho com uma quase absoluta certeza. Nada de querer ser metido a dono da verdade, porque há muito já deixei de lado esses pendores onipotentes tão comuns aos arroubos próprios da juventude, quando imaginamos tolamente que não somente o mundo, mas o universo inteiro gira em torno do nosso ignorante umbigo. Parvas tolices que vamos deixando de acalentar à medida que a vida e a realidade dos fatos vai nos ensinando o beabá das coisas como elas são e não como queremos que elas sejam. Aprendemos que viver não é para amadores e, sim, para profissionais do existir em que findamos nos tornando.
Claro que há aqueles que jamais conseguem nada aprender com os duros ensinamentos da escola da existência, porque bestamente acreditam que já nasceram sabendo de tudo que lhes é preciso saber, e as experiências que vivenciam passam por eles e através deles sem modificá-los, seja no pensar e no agir. Tendem a reagir do mesmo modo a situações diferentes, de tão enquadrados que estão, eternamente presos aos rígidos padrões de comportamento em que foram moldados. Partem do princípio pétreo de que estão sempre certos e todos os demais, que não agem como eles, estão inevitavelmente errados. Ignoram completamente que as coisas estão no mundo, só que é preciso aprender na velha base do erro e do acerto. Quem, por acaso, acredita ferreamente estar constantemente coberto de razão, mais dia, menos dia, quando quebra a cara ao levar uma rasteira do destino, trava uma luta titânica para se levantar e dar a volta por cima.
 
Entanto, encurtemos esse preâmbulo que já se estende em demasia e vamos ao que interessa. Geralmente, conterrâneo leitor, acho que não há quem goste de beber sozinho, entornando solitariamente algumas umas e outras. Pelo menos, no meu caso, nunca vi a menor graça em tomar uns birinaites sem ter ao lado um amigo para trocar conversa e dividir o copo. Tirante certas especiais ocasiões, alguém que se resigna a beber sozinho só pode andar atravessando um inferno astral. Ou está de mal consigo mesmo ou com a vida, com Deus e o mundo. Ao ver alguém bebendo sozinho, logo começo a imaginar que tragédia se esconde por trás de sua solitude. Quem sabe uma briga de amor, um chifre, uma partida inesperada, um emprego perdido. Pode ser um machão empedernido que acabou de descobrir ter um filho gay. Quiçá um sujeito casado de novo cujo exame de HIV deu positivo, uma amante que engravidou na hora errada.
 
Ou simplesmente um bêbado retardatário tomando a saideira antes de voltar pra casa. As pessoas que bebem sozinhas tecem em torno de si um casulo impenetrável que as mantêm longe dos outros tanto quanto possível. Viram ilhas humanas, sem barcos nem pontes. Agora mesmo, bem aqui na minha frente, uma jovem senhora bebe sozinha com o celular ligado sobre a mesa como se esperasse um telefonema salvador como quem espera uma ambulância. Embora sendo uma jovem senhora de balzaqueanos encantos, ostenta uma olímpica indiferença diante dos olhares insistentes dos homens das mesas vizinhas. Com um ar soberbo, nem sequer parece estar ali, naquele bar e naquele momento. Vez em quando, com um lencinho rendado, enxuga uma traiçoeira lágrima furtiva na bela face triste. Súbito, o celular tocou. Atendeu apressada e sorriu. Esperou com visível impaciência o garçom trazer a dolorosa. Ao sair, quase correndo, pelo jeito que seus olhos brilhavam, não era mais uma mulher sozinha.

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